sexta-feira, 16 de maio de 2008

FRUTOS, LOIÇA, GATOS E CAVACAS DAS CALDAS



Caldas da Rainha


Ao passar por esta zona, em 1485, a rainha D. Leonor, mulher dedicada às artes e à assistência aos necessitados, encontrou populares a banharem-se em água enlameada para acalmar dores e sarar feridas. Como sofria de uma úlcera no peito, resolveu seguir o exemplo e rapidamente foi curada. Resolveu então mandar construir um hospital, a que deu o nome de Nossa Senhora do Pópulo, pois destinava-se ao povo. A pouco e pouco começaram a chegar doentes, a quem eram ministrados tratamentos com as águas minero-medicinais. E foi assim que foi crescendo uma povoação à volta do hospital. Ainda hoje muita gente aqui vem, sob indicação médica, para tratar doenças reumáticas ou das vias respiratórias

Na Praça da República, rodeada de muitos edifícios do século XIX, vamos ao mercado, para sentir a frescura e o colorido das flores, frutas e legumes que alegram o tabuleiro empedrado da calçada à portuguesa. Este espectáculo faz-nos lembrar o poeta Cesário Verde, “um camponês que passeava em liberdade pela cidade”:





Subitamente - que visão de artista! –

Se eu transformasse os simples vegetais, 
A luz do Sol, o intenso colorista
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
(...)
As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,

São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
                                                  E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

                                                      Há colos, ombros, bocas, um semblante
                                                      Nas posições de certo frutos. E entre
                                                      As hortaliças, túmido, fragante, 

                                                     Como alguém que tudo aquilo jante,

                                                      Surge um melão, que me lembrou um ventre.

                                                      E como um feto, enfim, que se dilate,
                                                     Vi nos legumes carnes tentadoras,
                                                      Sangue na ginja vivida, escarlate,
                                                       Bons corações pulsando no tomate
                                                       E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.





Desçamos a Rua da Liberdade para espreitar nas montras os doces tradicionais desta cidade: as cavacas, os beijinhos e as trouxas-de-ovos. No largo da Rainha D. Leonor, temos o Hospital Termal que, desde os tempos da rainha, já sofreu inúmeras remodelações. Anexada ao hospital encontra-se a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, mistura de estilo mudéjar e manuelino, e que foi idealizada pelo autor das Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha – Mateus Fernandes.




Em frente ao portão avistamos o aldeamento de São Rafael, composto pela Fábrica e pelo Museu de Rafael Bordalo Pinheiro, nome do criador da cerâmica artística das Caldas. Rafael Bordallo Pinheiro (1846_19005), artista dotado de uma singular criatividade, estendeu o seu talento a inúmeras artes: jornalismo, desenho, aguarela, litografia, figurinismo, cenografia, caricatura e representação teatral, para além, é claro, da cerâmica. A decoração “barroca” das suas peças, fundamentalmente inspirada em motivos ligados à natureza (flores, frutos, rãs, libelinhas, nenúfares, etc.), revela a sua genialidade; e a criação dessa figura extraordinária que representa o povo português - o Zé Povinho a fazer o manguito, mostra-nos o seu lado crítico e irreverente. Uma nota curiosa a acrescentar é a sua paixão por gatos, de tal forma desmesurada, que não resistiu à tentação de os incluir em muitos dos seus trabalhos.




O Gato



Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga

 - Vinicius de Moraes



Depois do almoço, podemos descansar à sombra das árvores centenárias do Parque D. Carlos I, admirar o belo edifício das antigas termas, refrescar o olhar nas águas do lago, exercitar os músculos a remar ou tão somente conhecermos a criatividade de outros artistas como Soares dos Reis, Leopoldo de Almeida e Francisco Franco (autor da estátua do Cristo-Rei), que se encontram aqui representados com obras escultóricas da sua autoria. Todo este conjunto foi projectado em 1889 pelo arquitecto Rodrigo Berquó à maneira românitca dos finais do século e renovado em 1948 por Francisco Caldeira Cabral.





Não poderemos partir sem deixar de visitar o Museu de José Malhoa fundado por António Montês (1896 – 1967), que reúne colecções de arte portuguesa centradas no naturalismo. Na Pintura, destaca-se o importante conjunto da obra de José Malhoa (1855 – 1933) e de Pintores dos séculos XIX e XX, onde domina o gosto pela paisagem, os costumes e o retrato.



José Vital Branco Malhoa (1933-1855), filho desta cidade, foi um pintor de amplos recursos. Pioneiro do Naturalismo, foi o primeiro presidente da Sociedade Nacional das Belas Artes. Atraído pela pintura desde muito jovem, não pode prosseguir os seus estudos devido à falta de recursos económicos. Empregou-se então numa loja de modas, mas, como era grande o seu sonho, não desistiu enquanto não o realizou. A sua obra mais conhecida é “O Fado”.



Fado das Caldas

Calça justa bem 'sticada
Já manchada p'lo selim,
De polaina afivelada.
Antigamente era assim;
Mantas de cor nas boleias (ai)
P´ra toirada e para as ceias.

De Milorde à guisalhada,
À cabeça da manada
Trote largo e para a frente,
Com os seus cavalos baios,
As pilecas eram raios
Fidalgos iam co'a gente.

E p'la ponta da Tornada
Por lá e que era o caminho
Bem conduzindo a manada
A passo, devagarinho,
E quem mandava o campino (ai)
Era o mestre Victorino.

Praça cheia, toca o hino
Dos Gamas, gado matreiro
Victor Morais, o campino,
Anadia, o cavaleiro

Que sortes bem rematadas (ai)

Havia nessas toiradas.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Física e Literatura

A literatura e a física habitam o mesmo ambiente cultural.Não só a literatura influencia a física, como vice-versa. Servem-se de uma língua comum, de imagens e metáforas comuns. Porque a física vive de metáforas poderosas.” - in A Imagem da Física na Literatura, de KLAUS R. MECKE, professor do Instituto de Física Teórica, em Stuttgart, Alemanha.



A Física...

DEUS NÃO JOGA AOS DADOSAlbert Einstein





Subtil é o Senhor, de Abraham Pais - Breve história sobre a vida científica e pessoal de Einstein escrita pelo mais conceituado dos seus biógrafos, Abraham Pais, um homem que com ele conviveu.



E=mc2




A natureza e as leis da natureza jaziam escondidas na noite; Deus disse: Haja Newton! E fez-se luz. –Alexander Pope

Os quarks, partículas que entram na composição do átomo, devem o seu nome a James Joyce, um célebre romancista irlandês.

"O universo é um colchão maleável por excelência."- Dennis Overbye




e a Literatura

"Um homem propõe-se a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naves, de ilhas, de peixes, de habitação, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto." Jorge Luiz Borges



Cosmicómicas, de Ítalo Calvino
Ítalo Calvino mostra-nos nesta obra que a ciência pode conhecer o mundo, mas não lhe confere um sentido. Questões importantes como a Vida e a Morte estão fora do seu alcance. Precisamos da imaginação, da fantasia e dos mitos para dar um sentido à Natureza e ao Homem.








Madame Curie, de Eva Curie

Eva Curie traça a história de vida de sua mãe, uma mulher simples, que muito sofreu. Podia ser uma história banal, se essa mulher não fosse Madame Curie. A sua grandeza de alma e a força do seu carácter fizeram dela uma lutadora em prol do progresso e do bem estar da humanidade. Consagrada com dois Prémios Nobel, o mundo está -lhe eternamente reconhecido.




ODE TRIUNFAL
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
..........................................
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão
E pedaços do Alexandre Magno.........................................
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes
volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.


Fernando Pessoa




MÁQUINA DO MUNDO
O universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
António Gedeão


VERSOS DE ORGULHO
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e desdém!

Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito...


 - de Florbela Espanca



COR
A cor, o que é afinal? Energia, no essencial.
É emissão de fotões, é um salto de electrões,
absorções, emissões, ou também interacções
entre a luz e a matéria. Pode ser sublime, etérea.
Ela é interferência é período, é frequência
ela é excitação, e logo desexcitação,
ela é inspiração na paleta do pintor.
Afinal o que é a cor?
É o vermelho de Almada? É o azul de Chagall?
Seja ela tudo ou nada, a cor é fundamental.
Seja no azul do mar, que às vezes é cor de breu,
seja no azul do céu ou no verde de um olhar,
seja no roxo dos montes, seja no cinza das fontes,
nas searas amarelas, perturbantes de tão belas,
seja no verde das plantas, no colorido das mantas,
seja em janelas, portadas, seja em telhados, fachadas,
em azulejos, vitrais ou em tantas coisas mais,
a cor é fundamental.

O que é a cor afinal? Energia, no essencial.
 - de R. Gouveia




Para os adeptos da bola

LIVROS AO PONTAPÉ



· Morte no Estádio, de Francisco José Viegas, Editora Asa

· Onze Contos de Futebol, de Camilo José Cela, Editora Asa

· Uma Cana de Pesca para o meu Avô, de Gao Xinjian, Publicações D. Quixote

· Febre no Estádio, de Nick Hornby (autobiografia), Teorema

· História Natural do Futebol, de Álvaro Magalhães, Editora Assírio Alvim

· Largos dias têm Cem Anos, de Pinto da Costa, Ideias e Rumos

· Porque é que as Mulheres não gostam de Futebol, de António Pedro de Vasconcellos, Oficina do Livro

· Mourinho – um Ciclo de Vitórias, Luís Lourenço, Prime Books



«Maradona, Maradona leva a bola e ultrapassa os outros jogadores, remata! São os golos de que equipa? Agora estão empatados a dois, é o primeiro empate do jogo, uma pomba voa sobre o campo, faltam dezassete minutos para o final do jogo, em dezassete minutos podemos sonhar, dizem que um só instante é suficiente para ter um sonho, mas os sonhos podem ser comprimidos, como bolachas comprimidas, já comeram bolachas comprimidas?»
- Uma Cana de Pesca para o meu avô, de Gao Xinjian




Futebol Brasileiro
Evocado na Europa


A bola não é a inimiga
Como o touro, numa corrida,
E embora seja um utensílio
Caseiro e que se usa sem risco,
Não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
É um utensílio semivivo,
De reacções próprias como bicho,
E que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.

João Cabral de Melo Neto

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Cintra e os Escritores

Um jardim do paraíso terreal
que Salomão mandou aqui
a um rei de Portugal...”

Gil Vicente


Sintra é desde 1995 Património Mundial da UNESCO, distinção merecida, dado o valor excepcional, não só do centro histórico da vila, mas de toda a área circundante, desde o Parque da Pena até à Vila de Colares.De facto, quem poderá ficar indiferente à beleza desta região, um verdadeiro paraíso? Percorrer o casario da vila Velha e da Estefânia, os caminhos misteriosos e de densa vegetação que trilham a serra salpicada de palácios, igrejas e quintas senhoriais, ir até à Pena, visitar o convento dos Capuchos ou o Parque de Monserrate é entrar no paraíso, sobretudo se S. Pedro enviar lá de cima neblina que cubra tudo tenuamente como um véu.

“Cintra, amena estância,
Throno da vecejante primavera,
Quem te não ama?
Quem te não ama? Quem em teu recinto?
Uma hora de vida lhe ha corrido,
Essa hora esquecerá?”
Almeida Garrett

Se um qualquer mortal não consegue resistir à magia deste cenário, que dizer então das almas sensíveis dos homens das letras?! Sintra permanece para sempre na memória de todos aqueles que têm capacidade para sonhar, daqueles que se libertam da “lei da Morte”, projectando as suas fantasias para as páginas dos livros. E quantos livros inspirados neste mistério nos esperam?! E sempre, sempre, teimosamente, à nossa espera…





Gil Vicente e Camões


O Palácio Nacional da Vila, verdadeiro ex-libris de Sintra, tem o condão de nos levar neste sonho, até outras eras. Noutros tempos, nos seus salões, nobres e damas divertiam-se com os autos de mestre Gil Vicente, e um rei ainda moço sonhou as suas glórias ao ouvir “Os Lusíadas” pela boca do mais ilustre poeta de todos os tempos.
A beleza e a riqueza interior deste palácio mereciam a nossa visita, mas nós viemos aqui respirar os encantos naturais da serra e não os ares viciosos dos salões.

Já a vista, pouco e pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;

Ficava o caro Tejo e a fresca serra De Sintra,
e nela os olhos se alongavam
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E, já despois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.”
Os Lusíadas ,Canto IV




F erreira de Castro

Vamos visitar o Museu Ferreira de Castro, onde se encontra o espólio particular do escritor mais traduzido além-fromteiras. Recentemente foi exibido no cinema um filme inspirado no seu maior sucesso - “A Selva”. Emigrante no Brasil, Ferreira de Castro viveu no “inferno verde” da Amazónia e conviveu de perto com a exploração a que se sujeitavam os seringueiros. É essa dura realidade que ele descreve no seu livro, que já vai na 36 ª edição.
O cenário verdejante de Sintra inspirou grande parte da obra de F.C. Para aqui vinha hospedar-se no Hotel Netto, de cujas janelas podia apreciar a serra, e aqui escreveu grande parte da sua obra. Esse fascínio era tão grande que o seu desejo era ficar integrado de corpo e alma na natureza. De facto assim aconteceu. Os seus restos mortais repousam desde 1974 sob um banco talhado na rocha, no caminho que nos leva até ao Castelo dos Mouros.





Eça de Queirós


Eça adorava vir para aqui no Verão gozar o fresco da serra. Instalava-se na Quinta da Amizade, propriedade de Carlos Sasseti, de quem era amigo.Assim, não admira que aqui trouxesse algumas das personagens do seu romance Os Maias. Carlos, na esperança de encontrar Maria Eduarda, vai até à «velha Lawrence», o primeiro hotel a abrir as suas portas na Península Ibérica, mas sem vão. A Seteais irá depois levar o Cruges, mas a decepção será enorme, dado o estado de decadência do palácio. No entanto, a paisagem que desfruta do parapeito do terraço parece-lhe digna de um quadro de um grande pintor.



William Beckford e Lord Byron




Lord Byron, poeta inglês da primeira metade do século XIX e que influenciou os nossos românticos, considerou esta vila a mais bonita do mundo. Beckford (séc. XVIII), autor de muitos livros de viagens, foi talvez o responsável pela vinda de Byron a Sintra. Beckford instalou-se aqui no Palácio de Monserrate, redecorou-o e fez obras no jardim. Quando Byron aqui chegou já a vivenda se encontrava abandonada ao vandalismo e à pilhagem, mas não obstante o poeta considerou o Parque «o mais lindo deste reino». O Éden cantado por Byron no seu Childe Harold’s Pilgrimage fica aqui: plantas de todos os continentes, desde os fetos da Austrália, às Yucas do México e ainda os bambus do Japão, conferem a este lugar uma nota exótica, tão ao gosto do homem romântico.






Hans Christian Andersen


Este romancista dinamarquês, que tanta criança tem deleitado com as suas histórias também por aqui viajou. A Casa O’Neill, próximo da Igreja de Santa Maria, foi durante uns tempos o seu lar. Quem sabe que histórias terá aqui concebido?!O rouxinol do imperador?O soldadinho de chumbo?O rei vai nu?!

Para lá do Marão...


Casa de Mateus






Situado no concelho de Vila Real, este belo exemplar da arquitectura barroca, que muitos acreditam ser da autoria de Nasoni, o arquitecto da Torre dos Clérigos, é presentemente sede de uma fundação dinamizadora das Artes.Foi mandado construir no séc. XVIII pelo Morgado de Mateus, António José Botelho Mourão, o mesmo que empenhou a sua cultura, o seu tempo e o seu dinheiro numa edição magnífica de Os Lusíadas, ilustrada por alguns dos maiores desenhistas de Paris, como Fragonard, e que ficou conhecida pela “edição do Morgado de Mateus“.
Ao vislumbrar a grandeza da sua fachada, imediatamente nos sentimos atraídos. Andando lentamente e em silêncio, percorremos caminhos ladeados por enormes cedros, até chegarmos à casa nobre, que parece querer mirar-se no espelho de água que lhe puseram aos pés. Não resistimos. Desejamos então ver tranquilamente as salas, os quartos e a capela, ricos em termos arquitectónicos e decorativos.Uma notável biblioteca abre-nos o apetite e faz-nos roer de inveja do seu coleccionador. As salas dedicadas à edição monumental do poema épico de Camões merecem-nos particular atenção. Nelas podemos admirar muitos dos elementos que possibilitaram a sua realização gráfica - gravuras, provas revistas, notas originais, etc.; assim como dois exemplares em pergaminho e ainda cartas de figuras de relevo mundial, agradecendo e dando o seu parecer sobre o exemplar recebido. O genial autor desta edição merece a nossa homenagem.
A beleza de um presépio de Machado de Castro aviva a memória dos que com paus, pedras, musgo, serradura e searas de pratinho construíam o seu presépio, num tempo em que ainda não existiam à venda nos hipermercados.Das janelas modestas deliciamos o olhar pelos seus jardins e os campos em redor. Por aqui há jardins para todos os gostos. A vinha, o pomar, o parque de majestoso arvoredo, o túnel de cedros e o exotismo de outros exemplares complementam o encanto deste palácio.


Miguel Torga

Orfeu rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo de um poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à musa
Se o canto é de terror ou de beleza.



Em S. Martinho de Anta, Trás-os--Montes, fica a casa onde nasceu em 1907, Adolfo Correia da Rocha (m.1995), que dedicou a sua vida à medicina e à poesia.Homem pouco sociável, não gostava de ser abordado pela comunicação social.Contam que um jornalista do Porto, ansioso por obter uma entrevista do poeta Miguel Torga, se dirigiu a Coimbra, onde este tinha o seu consultório.Ao bater à porta surgiu-lhe o poeta, homem que ele nunca tinha visto, e a quem perguntou por Torga, com quem gostava de falar, ao que este lhe respondeu: “Lamento muito, mas de momento só se encontra aqui o Dr. Adolfo Correia da Rocha”.E o jornalista lá regressou ao Porto, triste por não o ter encontrado.

Retrato

O meu perfil é duro como o perfil do mundo.
Quem adivinha nele a graça da poesia?
Pedra talhada a pico e sofrimento,
É um muro hostil à volta do pomar.
Lá dentro há frutos, há frescura, há quanto
Faz um poema doce e desejado;
Mas quem passa na rua
Nem sequer sonha que do outro lado
A paisagem da vida continua.

A “graça” da sua poesia vem da terra-mãe, ventre fecundado onde nascem fontes, frutos, vinho, pão e vida. A sua poesia é um hino à natureza, ao Homem e à liberdade.

Bucólica

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha

Casa de Tormes,um Santuário a Eça de Queirós

Tormes


Em Santa Cruz do Douro, concelho de Baião, entre socalcos, vinhas generosas, (cujo suco é mundialmente conhecido), pinheiros altos e casas modernas de gosto duvidoso, deparamos com uma casa rural em granito. Chegámos a Tormes, lugar de referência da geografia queirosiana, hoje uma Casa-Museu e sede da Fundação Eça de Queirós, cujo objectivo é preservar e divulgar o legado cultural e literário do escritor, nomeadamente neste ano (de 16 de Agosto de 2000 a 16 de Agosto de 2001), em que comemoramos o centenário da sua morte.
Quando Eça aqui chegou, pela primeira vez, certamente ficou deslumbrado com a beleza natural desta terra rude, laboriosamente bordada por mãos suadas de gente enérgica. Todavia não apreciou a casa, como podemos ler numa carta que escreveu a sua mulher:
“... a casa é feia, muito feia; e à fachada mesmo pode-se aplicar, sem injustiça, a designação de hedionda. Tem um arco enorme; e, por debaixo dele, duas escadas paralelas, que são de um mau gosto incomparável.”
Eça acabava de chegar de Paris, a cidade supercivilizada, e foi essa circunstância que não lhe deve ter permitido apreciar a construção, tão característica das casas rurais das gentes abastadas do Alto Douro. O estado de degradação da casa também muito terá contribuído para isso.O seu interior deveria parecer-se muito com a descrição que dele faz Zé Fernandes, em A Cidade e as Serras.
“As salas eram enormes, duma sonoridade de casa capitular, com os grossos muros enegrecidos pelo tempo e pelo abandono, e regeladas, desoladamente nuas (...) Sob os nossos passos, aqui e além, uma tábua podre rangia e cedia.”
Foi esta casa, herdada em 1892 pela esposa do escritor, Emília de Castro, e todo o cenário envolvente que serviram de inspiração ao romance A Cidade e as Serras. Eça pernoitou nela por duas ou três ocasiões e isso bastou para que ficasse seduzido. A falta de conforto era compensada pelos deliciosos pratos confeccionados pela mulher do caseiro.
Graças aos esforços de um dos netos do escritor e da mulher, é hoje possível admirar a cadeira em couro de espaldar alto, conhecida por “cadeira de Jacinto”, a mesa do famoso almoço de favas daquela personagem, os móveis da sua casa em Neully, onde faleceu, a escrivaninha de pé alto onde, por hábito, redigia os seus escritos, bibelôs, quadros, gravuras, objectos de uso pessoal, manuscritos, diplomas, etc.

Amarante

A cidade fica situada nas margens do rio Tâmega, o que lhe confere uma beleza peculiar e deslumbrante, digna de figurar como cenário de qualquer história, fosse de mistério ou de amor. E é verdadeiramente amor, o que muitas raparigas já “encalhadas” vêm aqui procurar, fazendo promessas a S. Gonçalo, que aqui tem o seu convento e igreja, merecedores de uma espreitadela. Uma estadia mais prolongada torna obrigatória uma visita à casa do escritor Teixeira de Pascoais (1878-1952), ou ainda uma visita ao Museu para apreciar a arte de Amadeu de Sousa Cardoso. Contentemo-nos, porém, com uma réplica de um quadro seu que existe na nossa escola, feito por alunos, e colocado no pavilhão central, logo após o primeiro lance de escadas para a Biblioteca.




Quanto a Teixeira de Pascoais, o poeta da saudade, ouçamo-lo:



O Poeta

Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.

Humildes, pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou;
Em mim, o antigo tempo é nova idade.

Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.

Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.


Apesar de ser considerado um poeta difícil da literatura portuguesa, é muito apreciado no estrangeiro, dado a profundidade do seu pensamento.











Ler é um Prazer (ensino secundário)





A CIDADE DOS DEUSES SELVAGENS, de Isabel Allende

Esta é a historia de uma jovem que viaja até à Amazónia na companhia da avó. É também a história de uma selva que tem sido destruída pela ambição voraz dos homens.







O PAPALAGUI , Discursos de Tuiavvii, Chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul,tradução de Luísa Neto Jorge e ilustrações de Joost Swarte

Um outro olhar sobre a nossa sociedade. O olhar de um chefe de uma tribo da Polinésia que no século XX visitou a Europa. Seremos nós, Papalaguis, verdadeiramente civilizados?




CRÓNICA DO REI PASMADO, de Gonzalo Torrente Ballester

Era uma vez um rei que ficou pasmado ao ver pela primeira vez uma mulher nua. A partir daí o seu maior desejo é ver a rainha nua.Uma história saborosa e divertida que dá prazer ler.







O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS , de José Saramago

Galardoado com o Nobel, Saramago oferece-nos neste livro uma viagem plena de poesia ao mundo heteronímico de Fernando Pessoa: Ricardo Reis, chegado do Brasil, instala-se num hotel, e é aí que vai conhecer Lídia, uma criada de quartos.











SIDDHARTHA, de Herman Hesse

Crescer é um longo processo de aprendizagem. O jovem Sidhartha, filho de um brâmane, acompanhado de Govinda, busca a experiência da vida para ir ao encontro da unidade e da harmonia de todas as coisas- OM.Um Nobel da Literatura.





CEM ANOS DE SOLIDÃO,de Gabriel Garcia Márquez

Esta é a história da família Buendia, de Aurelianos e Josés Arcadios, geração após geração, de milagres e fantasias,de paixões e adultérios, descobertas e tragédias, de mortes e mortos, de histórias e histórias ...e de muitas vidas, tantas quantas as línguas em que este romance já foi traduzido. O realismo mágico na pena de um dos maiores escritores do nosso tempo!
FASCINANTE!





CAPITÃES DA AREIA,de Jorge Amado

A realidade é bem dura para um bando de meninos-homens que vivem nas ruas de S. Salvador da Baía. Os sonhos, esses são doces e coloridos... sobretudo quando aparece Dorinha.Um livro vibrante de poesia!





CONTOS APÁTRIDAS, de Bernardo Atxaga, José Manuel Fajardo, Santiago Gamboa, Antonio Sarabia e Luís Sepúlveda

Cinco histórias sem pátria, cinco histórias que podiam ter acontecido em qualquer lugar, porque a imaginação é apátrida.




O PERFUME, de Patrick Suskind

Uma narrativa que exala um odor estranho, uma vez que o seu protagonista nasceu no meio dos mais nauseabundos fedores- uma banca de peixe fedorenta. É esse perfume que o vai acompanhar na busca do Absoluto – o perfume ideal,a Beleza suprema. Um romance arrebatador que nos transporta ao século XVIII , quando o ofício de perfumista era valorizado.






A RELÍQUIA, de Eça de Queirós

Teodorico resolve tornar-se um fervoroso crente em Deus para caçar a fortuna da titi. Apesar de desejar conhecer Paris, acaba por ir em peregrinação à Terra Santa,pois a titi não pode ouvir falar na cidade do vício.Teodorico parte com a espinhosa missão de trazer uma relíquia à titi. Uma história picante à maneira de Eça, sempre prontinho para cortar na casaca da sociedade do seu tempo.






O MISTÉRIO DOS BARCOS SEM NOME, de Artur Pérez- Reverte

Um marinheiro sem barco, desterrado do mar, conhece uma estranha mulher, que possui, talvez, sem o saber, a resposta a perguntas que certos homens fazem desde há séculos. Juntos partem , à procura do Dei Gloria, um bergantim que há mais de duzentos anos repousa nas águas profundas do Mediterrâneo.






DAVID COPPERFIELD, de Charles Dickens 



As desventuras de um jovem  contadas com humor e otimismo. Não há mal que sempre dure, se tivermos esperança e se formos lutadores. Nunca desistir é o lema!
Apesar de ser uma narrativa longa é  fácil de ler, já que o seu autor tem artes de nos conquistar.