sexta-feira, 20 de abril de 2007

PELO SONHO É QUE VAMOS ... SERRA-MÃE






                                       “ Assim com cousas mudas conversando,
                                           com mais quietação delas aprendo
                                        que outras que há, ensinar querem falando.”

                                                                                        - FAC



Setúbal 

Eis Túbal, cidade antiquíssima, erguida na margem esquerda da foz do Sado, o rio que teimosamente corre ao invés dos demais. Será por ser alentejano?! O avanço das areias obrigou os homens posteriormente à mudança para o lado de cá, criando um importantíssimo porto de mar e pólo industrial. Por entre as suas ruas estreitas e sinuosas como as de um burgo medieval, descobrimos a casa onde nasceu a 15 de Setembro de 1765 Manuel Maria Barbosa do Bocage (Rua Edmond Batissel,nº 10 a 12, antiga Rua de São Domingos).



Abençoado pelos deuses com um grande talento para versejar, a negra vida obrigou-o a desperdiçá-lo em versos pagos para matar a fome que muitas vezes deve ter padecido. Mas quis a Ventura que em “mimos feminis” se fiasse, e assim pudesse legar à nossa literatura poemas inflamados do desejo de “mil deidades (digo, de moças mil)”, eivados alguns do mais letal dos venenos - o Ciúme. Temperamento romântico por excelência, foi na natureza que encontrou o melhor refúgio para os seus encontros (e desgostos) amorosos.



De cima destas penhas escabrosas,
Que pouco a pouco as ondas têm minado,
Da Lua co’o reflexo prateado
Distingo de Marília as mãos formosas.



Ah! Que lindas que são, que melindrosas!
Sinto-me louco, sinto-me encantado.
Ah!, quando elas vos colhem lá no prado,
nem vós, lírios, brilhais, nem vós, ó rosas!

Deusas! Céus! Tudo o mais que tendes feito,
vendo tão belas mãos, me dá desgosto;
nada, onde elas estão, nada é perfeito.

Oh!, quem pudera uni-las ao meu rosto!
Quem pudera apertá-las no meu peito!
Dar-lhe mil beijos e expirar de gosto!





O Brasil, por onde andou, concedeu-lhe honras cimeiras ao oferecer à cidade que o viu nascer a sua estátua, colocada num pedestal na praça com o seu nome, sobranceiro à avenida que tem o nome de uma ilustre cantora lírica aqui nascida – Luísa Todi. Lá no alto, desfrutando o espectáculo do mundo, muito decerto se rirá da mesquinhez dos homens nos tempos que correm. O seu temperamento desbocado não perdoaria certamente o chiste improvisado.

Pela mão do poeta vamos ainda à Igreja se Santa Maria e à Casa do Corpo Santo, sede da Confraria dos Navegantes e Pescadores da Vila de Setúba(1714)l, actual Museu do Barroco.

Arrábida






Serpenteada pelo rio, onde alegres golfinhos surgem a brincar, e pelo oceano, eis que se ergue a Serra da Arrábida, paisagem de beleza agreste, rica pela diversidade ecológica que nela habita. São 10.821 hectares debruçados sobre pequenas praias paradisíacas, como Galápagos e o Portinho da Arrábida, onde se situa a lapa de Santa Margarida, a mais bela dádiva da natureza,e no interior da qual se situa uma capela. Numa prega da serra esconde-se o convento da Arrábida, habitado por franciscanos até à extinção das ordens religiosas pelos liberais em 1834. Aqui viveu em recolhimento Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), contemporâneo de Camões, e irmão do poeta Diogo Bernardes. Desgostos amorosos fizeram-no recolher aos vinte anos na Ordem de S. Francisco e, numa recusa ao mundo vil e cruel, procurou isolar-se ainda mais nesta serra, onde muito embora vivesse em pobreza, era o mais rico dos homens. A natureza, a solidão, o amor a Deus e o gosto pelo estilo maneirista marcam a poesia deste eremita que aqui viveu durante 20 anos, graças a uma autorização especial, e cujas obras permaneceram praticamente inéditas até ao século XVIII.



O livre passarinho, que voava,
Cantando para o céu deixando a terra,
Da terra para o céu me encaminhava.

Cuidei que se esquecesse nesta Serra
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz guerra.

Oh! quem vira naquela fortaleza
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma acesa!

Quão firme, e quão quieto, e quão seguro
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro duro!

Mas se agora de mim me não confio,
Se fujo, se me escondo, se me temo,

É porque sinto fraco o peito frio.




Vila Nogueira de Azeitão

Aqui nasceu Sebastião da Gama (1924-1952), um jovem professor de Português que faleceu com 27 anos apenas.Alma fraterna e sensível, para quem o importante era amar, introduziu nas aulas um ensino individualizado, tendo em conta as particularidades de carácter de cada aluno, imprimindo neles o amor pela vida e pela poesia, e fomentou as discussões dos problemas, abertamente, no local mais apropriado: a sala de aula.

Andamos no mundo quase todos como se fôssemos desconhecidos uns dos outros: quero Amor, quero a mesa aberta, quero a sinceridade e o abraço.”


A doença que sofria, tuberculose óssea, levou-o a passar grandes temporadas na Serra Mãe, nome com que apelidou a Arrábida e título de um dos seus livros. A serra e o contacto com a natureza revelaram-lhe Deus e toda a sua magnitude. Depois de longa reflexão, o jovem poeta decide converter-se à religião católica e é assim que aos 21 anos comunga pela primeira vez.





O Menino Grande

Também eu, também eu.
joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos...

Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho;
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi:
ficou-me,
dos tempos de menino
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Vida!
não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...


“Quem me quiser amar, que me leve fechado no meu mistério”.

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